domingo
O LEITOR
Quando se cruza a descoberta do Amor aos 15 anos com o desencanto da vida aos 35, não se está perante um romance de tons rosa, mas de algo que pode trazer dependências e jogos desencontrados para o resto das vidas. Isso se passou. E se instalou na vida daquele miudo como um doce muito amargo que não saboreou até ao fim do boião. Aquela mulher se lhe ofereceu e dele se afastou sem mais. O sofrimento rasgou-o e fêz-se ao mundo fechado em si. Mas estudou, em juiz se transformou, casou, procriou. Fechado em si. Até que a reencontrou, a acompanhou na desgraça, sempre à distância e compreendeu-a e perdoou-a. E descobriu-lhe o segredo que lhe roubou a liberdade. Esse segredo que foi o fardo da vida dessa mulher, cujo excesso de zelo contra ela se voltou. Em fuga permanente do seu passado, também futuro não havia para quem não sabia ler nem escrever. Um analfabetismo envergonhado que se alimentava das leituras que os outros lhe entregavam como peças de amor cantadas ao seu ouvido. Roubou vidas, encarcerou irmãs, não por ser nazi, fria e calculista, nem para servir uma causa, mas tão só porque era o que se esperava dela. E não era preciso ler nem escrever! Nos outros ganha pãos, os prémios do bom desempenho iam sempre parar ao lápis e papel. De que ela fugiu, aceitando ser carcereira para ganhar a vida. Apesar da sociedade pós-guerra a ter fechado 20 anos na prisão das grades e do arrependimento ele a entendeu e a aceitou, pois afinal Amor lhe tinha e Amor lhe deu . Passados 20 anos das primeiras leituras lhas envia gravadas em voz. Só podem ser cassetes de amor, daquele que se sabe que se tem pelo prazer de dar ao outro! No fim do corredor da esperança, na prisão, ela renasceu. Até que se apagou do mundo, talvez por não poder apagar as dores que aos outros causou na sua passagem por esta vida, chegando à sua forca subindo para cima da pilha dos livros que aprendeu a decifrar no isolamento da prisão.